terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Pós-modernidade

A minha vida,
bem mais que um projeto (de ponte, de casa)

parece um jogo de pescaria
de festa junina:

Anzol em argolas
de arame entortado

o ar esburacado
o outro lado
da cerca

de prenda barata na areia ―
E prenda esquiva.


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Destino

A rezadeira
buscou meu futuro
no arquivo
da Providência.

Do fado
diria a Ciência
é o acaso
ou um plágio
de clarividência?


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sábado, 12 de dezembro de 2009

Uma mulher antena (poesia do papai)

Eu sei, você me disse
São apenas poucos
Ainda
Mas não tremas
Há no coração brasileiro
Milhares
Centenas
De palavras e afetos
Pedindo ser poemas!
Basta-lhes encontrar
Um caminho, uma poeta,
Uma mulher antena!


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Era eu que estava triste, ou Florianópolis?

A criação de ostras
organiza o mar
em caixotes. Turistas
alternam as pernas
pelo mercado.

Cordéis de bilhetes
datados na parede
do Bar do Arante
flutuam ao vento,
brancos, pássaros
hasteiam asas
em voos ousados.

Mas tem um quê de pesar
na casa açoriana
a lagoa serrana
o mar sem coqueiro
a construção do Santinho, o ninho
do quero-quero
nas dunas cheias
de bugues.

Outubro
e metade é melancolia
as vias o morro
as pedras rupestres
na areia
despidas paisagens
– de mim
ou da ilha
de Santa Catarina?


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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Manhã na praia

Cada amanhecer
tem um sino

um barulho fino
de água arando a areia,

farinha de concha
inteira e em cacos,
bichinhos em espirais.

Despertar é ouvir
o brilho do sol,
o mico o grilo
a cambacica
o bem-te-vi e o galo

tilintando,
e tantos mais,

capoeiras e corais:
um dia onírico.


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terça-feira, 27 de outubro de 2009

Aleluias

Um riso qualquer
numa mesa de bar
ao lado do metrô
(imagine um Terraço do Café em Arles
ou um boteco na Ouvidor)
Levantou-se a espantar
os bichinhos de luz
voavam em círculos
a nossa visão
pincelando as asas na exatidão
do azul do céu
do amarelo da lâmpada
(indelicadas!)
Abriu bem os braços
fingiu-se de bravo
bateu as palmas das mãos quatro vezes:
— Agarrava a noite
que pra mim era só dele
(perdoem-me os bichinhos)

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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Ardósia

Sobre as ondas verdes
desdobra a enseada
escura planície
se bem esfregada
como espelho d'água
no anoitecer
A gente dançava
a gente dançava
a gente chorava quando o pai partia
olvidando rastros da sola na cera:
marcas de um balé aquático.
A gente brincava,
a gente aprontava
no solo que acelerava as esferas
réplicas de entranhas das serras
de Minas na sala, para transeuntes
dominicais
pela dimensão dura e fria
da existência
que a gente driblava
feito uma família
quando se encontrava
no redor da mesa ―
marco na superfície
do nosso mar
de ardósia.


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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Morfologia sentimental

Seu nome é um excesso
de consoantes,
que de nada mais servem
além de abraçar um "ó".
Para encerrá-lo, introduzi-lo
bastariam duas ― são cinco!
Seu nome é coisa de gringo.

Penso que afeta a personalidade
essa história de "dáblios" e "erres" e "pês".
Se não sei como ler
por detrás do agá mudo,
como é que traduzo você?

Nem me isento dessa lógica:
frente a seu poço de consoantes,
eu sou um mar de vogais.
Você pode zombar do meu acento agudo
do hiato, e dos as sentimentais
― não me importo.

Eu queria,
feito uma escultora sem pena, entalhar
cada ar, a ranhura de seus fonemas, se eu pudesse,
seus "esses" soturnos que mais parecem
floreios, para ter você consonante,
aberto ao meio.

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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Mágoa

Quanto tempo uma palavra
dura?
Desdita,
se apaga?
Me encontra
um vento que me apresse
o aperto
de senti-la
viva 
falada: cravada.

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segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Inverno

A cadeira e à espera
atrás uma janela
azul, a lua
dá linha,
a chuva toca a rua
a partitura de uma
valsa

De um palmo sem vidro
no espaço o vento invade
o hall, e a pele
minha,
esfria como sopa
que mãe sopra em
colherinha.

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quinta-feira, 23 de julho de 2009

Enredo

Mergulha seus dedos
com força na raiz
dos meus cabelos,
como quem os afunda
num saco de sementes
do mercado central
― e com as mãos amarradas
em pelos embaraçados
tantos novelos, diz não vai mais
desenredar-se ― mas
nunca
de mim.


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sexta-feira, 17 de julho de 2009

Introspecção

Dentro da minha cabeça
é um bom lugar pra se morar.
Pena que não caibam dois, ou dez,
embora não falte diálogo.
Como na feira de verduras
pense numa e haverá  
― categorias análogas.

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

Contradições

Em suas fantasias
mais lindas,
eu venho da zona:
de calcinha preta indecente
cravada com brilhos, correntes
de ouro contornando em
arcos romanos
o ventre.

Safada,
sou puta,
dou pra você e mais dois
ao mesmo tempo.
Dormi com tanto homem
que eu nem me lembro
de quantos –
muito mais que
mil e quinhentos.

Mas na insaciedade desta vida,
você,
paradoxalmente,
me quer só sua
e exclusiva, e somente
me quer
– se assim for.

E eu,
que nos seus sonhos
mais profundos era
puta, não olho
pro lado, não cumprimento
o vizinho, até
abandonei
meu sapato
de baile.

Não dura tanto:
se pra você sou santa
e pura e mais um pouco,
à noite eu derramo
meu corpo,
como um pranto,
na pele abstrata
de amantes.

E em horas vagas,
com seu colega
o meu amigo
o taxista,
mas um pintor me retratou,
naturalista
– Eu te perseguia
num plano.

A ironia, meu amor
– você nem sabe
nada disso ou
imagina –
é que na minha
mais secreta fantasia
(brilho da lua e as ondas no nosso quintal...)

Eu sou só sua:
– uma maçã
aparada
entre os dentes –
sua todinha, amor
para sempre,
(até que a morte)
sua, de qualquer maneira
– e somente.


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sexta-feira, 1 de maio de 2009

Baile

à noite ela roda, cubana
os panos vermelhos
da saia: pétalas nos quadris
a rosa –
a mão agarrada na sua cintura.

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à noite ela roda cubana
os panos vermelhos
da saia: liberta dos quadris
a rosa --
um homem se amarra
na sua cintura

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Revelação

na fotografia
todo mundo se abraçava
todo mundo sorria, taça
pregada na mão
quanta perfeição quanta
alegria, ai de mim,
que mal sabia
que era só
fotografia

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